sábado, 5 de agosto de 2006

Walmir pegou a viola e começou a tocar. Todo mundo já estava bêbado, e ele insistia em ter a atenção de todos. Ele não bebia, na acepção BEBUM da palavra. Chato, dedilhava aquela bossa nova devagar, com aquela voz, ou melhor, a falta de uma voz, bem baixinha, enojando os já enjoados ébrios amigos à volta. Sempre começava com aquela bossa nova, tímida feito ele. Bossa "velha", diga-se de passagem. Tentou uma do Djavan, mas nem essa funcionou. Dessa vez não comeria ninguém, pensou, como das outras várias vezes.
- Ei, olha aqui, Angélica. Canta comigo - ele chamava, mas a menina já tinha vomitado duas vezes no canto da sala e só conseguiu dizer
- ???zzzzzWALTER
- Walmir!
- !!!zztá. Ô WWALVERT, me trazzx um jornal molhado, pra eu colocar na minha cabeça... asxxsssim vou me sentir melhorrrrxxxsslkjxxlkjxdddzzzz
- Putz. Ei, Marco! Marcô! Vou tocar aquela, ó - mas o Marco gostava mesmo era de funk. Aliás, o Marco gostava de tudo quanto era som ruim. Mudava a moda, se era uma merda, o Marco gostava. Já tinha sido pagodeiro, axezeiro, sertanejo e agora fanqueiro. Pensou em como tocaria funk num violão, só pra agradar o Marco. Desistiu.
Chegou perto do aparelho de som e viu que os bolachões LP do Antônio, dono da casa, ainda resistiam, impávidos, à modernidade.
- Puta que pariu, eu odeio mexer em LP! Cadê os CDs?? - Pegou um aleatoriamente. Cher. "Pô, Cher??!? Será que o Antônio é viado? Só pode ser viado. Hmmm... Agora eu tô me ligando. Ele perguntou antes se eu não tava a fim de ver o quarto dele, que foi reformado... Agora eu entendi. Antônio viado!"
O resto dos discos conseguia ser bem pior. Colocou a Cher. Os primeiros chiados da agulha no disco mofado trouxeram a Ritinha, que estava pulando no quintal, para pular na sala. "Agradei. Vou comer a Ritinha."
- Cher, Walmir?! Tu gosta de Cher? - ela perguntava, entre um pulo e outro.
- Se gosto! Sempre gostei!
- Ahhh, tá. De qual música tu gosta da Cher, Walmirrrrr??? - com um olhar desconfiado.
- Ah, gosto muito daquela música, ahn... hmmm... - e não lembrava de nome algum de música da Cher. Amaldiçoou a merda da Cher, e só conseguia olhar pro decote da Ritinha, que completou
- Tu não quer dizer, né? Tá com vergonha, pobrezinho... Eu adoro TODAS as músicas da Cher, Walmir! Que legal que tu também gosta!
- Não, eu não gosto! Eu coloquei esse disco porque...
- Tá. Tá. Tu é gay, né, Wal?
- "WAL"?
- É, Walzinho... Tu é?
- "Walzinho"?? N... não! Não sou! NÃO SOU!
- Te abre comigo, Wal! Pode dizer!
- Não sou!
- Tu não bebe, tu sempre fica sozinho aí no canto tocando esse violãozinho, cantando bem baixinho, nunca ficou com ninguém... agora tu coloca Cher pra tocar no som... Ai, Wal, acho que tu tá querendo te libertar!
- ANTÔNIOOO!
- Isso, Walll! O Toninho sempre gostou de ti!! Te declara pra ele, Wal! Te declara!!!

Nenhum comentário:


"O que é de interesse coletivo de todos nem sempre interessa a ninguém individualmente." (Autor desconhecido. Ou não.)