quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Marcelino morava com sua mãe. Profissional liberal há oito anos, nunca conseguiu fazer um pé-de-meia suficiente para poder livrar-se dos grilhões da casa da velha. A pior parte dessa prisão era o sexo. Ou a falta dele. Mamãe fiscalizava toda e qualquer mulher que se atrevesse a chegar naquela casa. Nenhuma passava por seu crivo.

Com tantos problemas em casa, somados com a falta de dinheiro - e carro - para poder levar uma dama para um motel, Marcelino passava horas na Internet - um dos poucos prazeres que seu parco - e aleatório - dinheiro trazido pelo emprego podia pagar. Fora Scheila Carvalho, Catherine Zeta-Jones e outras famosas, já havia namorado virtualmente duas mulheres "de verdade". Ambas lindíssimas. Pelo menos foi o que pôde constatar pelas fotos que recebeu.

Marcelino sonhava, um dia, poder pegar uma mulher e mostrar a ela tudo o que aprendeu vendo os filmes da Sylvia Saint.

Certo dia, quando comprava Atroveran para mamãe na farmácia, esbarrou na estante de camisinhas, que caiu em cima de Matilda.

Ah, Matilda. Que estava passando naquele corredor de maneira formosa, meio que manquitolando do pé esquerdo cheio de frieiras - a unha do dedão já havia deixado aquele pé há uns quinze anos -, tirando caca do nariz, tentando alcançar um pacote de camisinhas. Para depois colocá-lo na bolsa. E deixá-lo lá. Para depois dizer às amigas que "estava dando, e muito, claro". Para quem, não sabia, não interessava, pois esse comedor não existia. Assim como uma de suas amigas, pois Matilda só tinha uma, e mentia para esta que era muito amiga de uma neozelandesa lésbica, que havia conhecido numa parada-rave gay em Praga.

Única rebenta mimada do viúvo papai, virgem no auge de seus quarenta e cinco anos, já havia passado do ponto de "pronta para dar". Ansiava por um orgasmo trazido por algo diferente de Tavinho. Assim Matilda chamava seu consolador de borracha, seu único amor, comprado em 1985. Segundo ela, só Tavinho a compreendia, mas já era hora de buscar algo mais "de verdade, com sentimento".

Marcelino começou a catar as camisinhas do chão. Matilda olhou para aquela barriguda figura, que exalava uma malemolência, uma maledicência, com aquelas camisinhas na mão. Marcelino, aos olhos de Matilda, era alguém talhado para o sexo. Talhado a golpes de machados.

Seu corpo quase menopáusico começou a borbulhar de loucura. "É esse", pensou. Olhou para o calvo rapaz e disse:

- Oi...

Marcelino, desacostumado a trocar palavras com mulheres de fora de seu círculo familiar - gostava muito, diga-se de passagem, de suas longas conversas com sua surdíssima Tia Cotinha -, engasgou, tossiu e pediu:

- A s... s... senhora me dá licença, que eu tenho que levar o Atroveran pra minha mãe? Ela tá esperando por mim no carro...

E foi embora.

3 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom! E contos a parte, tenho um a conhecida assim. O dia que a mãe dela morrer, acho que ela enlouquece.

vinícius disse...

hm. baseado em fatos reais?

Regina disse...

Nossa, Lelê...
Tô me rachando de rir aqui! Será que a gente conhece o Marcelino???

Beijocas


"O que é de interesse coletivo de todos nem sempre interessa a ninguém individualmente." (Autor desconhecido. Ou não.)