Eu raramente passo um dia sem falar mal de quem inventou a Língua Portuguesa. É uma língua impossível. Ninguém sabe falar Português corretamente. Escrever, então, pior ainda. Além de não sabermos falar direito, quem consegue ao menos fingir que sabe é tido como nojento e metido pelos outros.
Aqui onde eu moro é mais difícil ainda. Como falamos “tu” em vez de “você”, a gramática e a ortografia têm de estar em dia. Usar o “tu” é muito mais difícil! A alternativa – errada! – encontrada pelo povo daqui é usar, em vez do indicativo, o subjuntivo:
- E aí? A que horas chegasse ontem?
Como assim, “chegasse”? É horrível! Mas é o que a maioria das pessoas diz. Só que se essa pessoa falar corretamente, acaba sendo avacalhada pelos outros:
- E aí? A que horas chegaste ontem?
“Convencido”, no mínimo, é o que vão pensar. E pensam mesmo.
Eu diariamente surro a língua que o Seu Manoel Joaquim inventou. Tenho sérios problemas em falar os plurais. Qualquer plural. “Vamo pegá os pão lá na padaria?” Barbaridade. É triste, mas é verdade. Às vezes eu me surpreendo com as porcarias que eu digo.
Comprar pão francês é um problemão. Pão francês, entre nós, gaúchos, é conhecido como cacetinho (certo, certo. Poupem-me das piadas...). Falar “cacetinho” é dose. É viadagem demais dizer isso aí. Mas falar “pão francês” também é ruim! Depois que eu comecei a notar a minha deficiência com os plurais, tenho vergonha de pedir “dez pão francês” na padaria! E falar “dez pães franceses” é viadagem maior ainda. Parece coisa de gente letrada, metida, convencida... Fica sibilante demais! “Dezzz pãessss francesessssss...” É praticamente uma cobra pedindo pão.
Falar errado, aliás, além de não parecer coisa de gente convencida, é sempre engraçado. E como é. Hei de elencar exemplos. Todo mundo tem os seus, cá estão os que eu conheço:
O ex-capataz da fazenda de uma amiga, que afirmava ter “sulerado, sulerado, mas o extrator não tinha saído da lama”.
Na escolinha a professora explicava para a turma que os verbos só terminam em “AR”, “ER” e “IR”. Então um guri perguntou: “professora, e o verbo ‘pôr’?”... A professora explicou o porquê de tal verbo terminar em “OR” e o menino, não satisfeito com a resposta, perguntou “e o verbo motor?”.
O pai de um conhecido, que gostava muito daquele doce, o realberto (sim, apenas uma palavra. Para quem não conhece, o doce chama-se Rei Alberto). Ele ainda afirmava que “nós samos daqui desta cidade”, ou então confirmava o churrasco do dia seguinte com “não te preocupa! Amanhã nós fizemo o churras ao meio-dia!”. Quando não ia com a cara de alguém, fazia questão de dizer que aquela pessoa era antepática.
A tia de um conhecido, que em um churrasco não gostou de ver a criançada brincando de pega-pega logo depois de ter comido. E ainda por cima estavam expostos ao sol! Indignada, gritou: “guris! Saiam do sol! Porque senão vocês vão ter uma combustão!!” – ela tinha razão. Vai que algum deles solta uma bufa daquelas perigosas e acaba explodindo.
A mãe de uma colega, que chamava a sobrinha: “Jennifon, vem cá, menina!”. Chamava também o sobrinho: “diz pro Dongras vir também!”. Ela era frequentadora assídua do boteco da esquina, e quando lá chegava nem precisava perder tempo pedindo. “Chego no bar e o hômi já sabe o que eu quero: um pastel e a minha cerveja Trática!” E os calores trazidos pela idade, os quais a incomodavam durante o dia inteiro? “Ah, minha filha, a véia tá suando por causa da nonopóse.” Mas onde o Bin Laden atirou aqueles aviões no 11 de setembro? “Em Novonhórque, meu filho.” “Menina, nem te digo... Sabe o safado do Joãozinho? Ele não quer mais saber de trabalhar. Virou vagabundo! Só tá encostado na Marileuza, mulher dele! Tá igual a um jongolô.”
A sogra de uma amiga minha gosta muito de passar as férias em Balneário Canguru. Sempre que vai até lá, faz questão de dar uma esticada até Brumenal. Sua casa de Brumenal é uma lindeza, o piso é todo de taubão.
Outra senhora, que avisava os filhos quando iam à praia: “não se esqueçam das planchas de surfe!” Os filhos a corrigiam, dizendo que o correto era “prancha”, e ela diferenciava: “não, não. ‘Plancha’ de isopor; ‘prancha’ é a normal!”
O pior foi que outro dia eu bati pé, dizendo que “plancha” não existia. Alguém me falou que usava a tal da rede de plancha para pescar. Discuti, tentei corrigir, fui ao dicionário e vi que “plancha” existe, sim, assim como “enchova”. É horrível, mas é o outro nome daquele peixe, a anchova.
E a senhora das planchas, para chegar à praia, fazia a travessia de lancha no canal para chegar à cidade de São José do Norte. Pegava a lancha lá naquela que chamava de rodoviária das lancha (sim, sem plural, pra não soar pernóstico). Quando na praia, gostava muito de comer um filé de camarão (deve ser um filé bem pequenino...). E o sobrinho dela, que gostava muito de mergulhar, e passava o tempo inteiro submisso n’água? Esse sobrinho também tocava guitarra, e ficava horas e horas lendo os cifrão das música.
Os mais velhos – e isso não é uma crítica, é uma homenagem – usavam (alguns ainda usam!) termos engraçadíssimos atualmente, como os slacks. Meu avô chamava suas calças assim. Outro termo sensacional é o carpim. De vez em quando eu pego alguém se referindo às meias dessa forma. Carro de praça era outro campeão... Coisa muito boa era o aportuguesamento de termos originalmente falados em Inglês, como os filmes de gangéster, os de farveste do Jôn Vâine e os desenhos do marinheiro Popêi, aquele que comia espinafre.
A filha de um colega nasceu e foi decidido pela mãe que a menina chamar-se-ia Bárbara. Entretanto, aconteceu um imprevisto: a avó materna da criança simplesmente não conseguia pronunciar esse nome. Chamava a neta de Barba. Mãe e pai trocaram o nome da filha para Ana – acho que esse ela consegue dizer.
A dona de uma confeitaria, ao anotar o pedido de uma cliente, comunicou:
- Então a entrega do que a senhora pediu fica para amanhã, dona... Qual é o seu nome, mesmo?
A freguesa respondeu:
- É Corina.
A confeiteira anotou “Orina”. Mas resolveu perguntar outra vez.
- Como é?
- Corina.
- Ok. Entendido – e anotou “Orina” novamente.
Por falar em “orina”, um colega meu reclamava muito do verão, pois não suportava transpirar o dia inteiro. “Dia quente é dose pra elefante... Eu sôo demais!” Outro colega riu, chamando aquele de burro, e disse “sôo? Tu levantas o braço e sai barulho do teu sovaco, é isso? Mas, falando sério, isso é até bom, pois se tu transpiras demais tu orinas menos!”...
O Orina aí, aliás, tem um amigo cujo restaurante preferido é aquele que fica na esquina de sua casa e serve um rodeio de pizzas de dar água na boca.
6 comentários:
eu... eu não acreUdito neste texto!
Relaxa, Leandro. Relaxa.
São só variações linguísticas.Se as pessoas que você citou escrevessem assim, não estariam seguindo a ortografia oficial, aí sim seria um problema (pra elas).Modos diferentes de falar existem aos milhares de Norte ao Sul do país, dizer que a norma culta padrão é a "correta" é excluir todas essas variações.Se não estiver com preguiça procure sobre o livro O Preconceito Linguístico de Marcos Bagno, acho que vai gostar.
meus parentes da vila da quinta me chamam de "viníciu", transferindo o s que faltou para o nome da minha mãe, que perde o i do final e fica "neidsss".
Português correto aqui em Portugal!
Usam o tu e o você em diferentes situações mas o comum mesmo é referir-se a pessoa usando o seu nome, te pergunto: "-O Leandro entendeu?"
Verbos conjugados corretamente e os plurais em seus devidos lugares, debocham dos brasileiros por não os usarmos corretamente.
Gerúndio raramente é usado, nosso famoso "estou indo" fica "estou a ir".
E quanto ao cacetinho: aqui tem pães chamados cacete e cacetinho, além de ter o o nosso famoso "queque".
Não confunda "queque" com "queca", que são coisas bem diferentes! "Dar uma queca" é transar, fazer sexo, essas definições todas.. não é o lado romântico "fazer amor" heheheh
Ah! E "fique a saber" que os portugueses sempre dizem que no Brasil "estamos a falar " o "brasileiro" e não a língua de Camões". :S
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